DestaqueEspeciaisPaísesPolíticaPortugal

A Direita ganhou as eleições. A Esquerda ganhou as eleições. Afinal, quem as perdeu?

Ontem Portugal foi a votos e o resultado, surpreendentemente, foi o esperado. A coligação entre o Partido Social-Democrata (PSD) e o Partido Popular (PP), que já governava o país há 4 anos, foi a votos com o nome Portugal à Frente (PaF) e conseguiu ser novamente a força política mais votada, embora desta vez sem maioria absoluta. O que vai dificultar, e de que maneira, contas a fazer no futuro para a constituição de um novo governo e a sua governabilidade durante todo o mandato.

(Imagem: Reprodução Legislativas 2015)
(Imagem: Reprodução Legislativas 2015)

A coligação PaF recolheu 36,83% da preferência de votos, que se traduz em 99 deputados. A segunda maior força política foi o PS, com 32,38% dos votos e 85 deputados eleitos e logo após o Bloco de Esquerda (BE), que ascendeu à categoria de terceira maior força política do país, com um excelente resultado de 10,22% dos votos expressos que se traduzem em 19 deputados, seguido pela Coligação Democrática Unitária (CDU – Coligação entre o Partido Comunista Português e Os Verdes) com 17 e do Partido dos Animais e da Natureza que conseguiu eleger um deputado pela primeira vez na sua história, e logo numa votação que decorreu no dia mundial do animal.

 

O PSD conseguiu ainda eleger 3 deputados pela Madeira e 2 pelos Açores, círculos nominais onde não concorria coligado com o PP.

 

Tudo somado, a coligação vencedora conseguiu eleger 104 deputados e todos os outros partidos um total de 122. Pelo que fica a dúvida… quem ganhou verdadeiramente estas eleições?

 

Clique AQUI para saber com exatidão o resultado de todos os partidos que foram a votos.

(Imagem: Reprodução Jornal de Notícias)
(Imagem: Reprodução Jornal de Notícias)

A fazer jus aos discursos pós-resultados… ganharam todos, mas será mesmo assim? Bem, hipoteticamente, e se decidirmos ver a coisa sempre pelo prisma mais favorável (a cada partido, leia-se), sim, ganharam mesmo todos, se virmos por qualquer outro, perderam todos. Nisto da política, como sempre, é verdade uma coisa e o seu contrário. Para o perceber melhor toda esta situação, há que compreender de onde partimos, com um recuo estratégico até  2011.

comparação

A coligação Portugal à Frente arroga que ganhou as eleições porque…, bem, porque ganhou mesmo as eleições! Foi o partido mais votado e conseguiu algo que há um ano, aquando das eleições europeias, parecia impossível, terminar à frente do Partido Socialista como partido mais votado da noite eleitoral, depois de 4 anos a governar sob a batuta da austeridade, mais ou menos pautada por uma troika formada pela Comissão Europeia (Merkel, cof, cof), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Central Europeu (Merkel ao quadrado, cof, cof). Este resultado nestas circunstâncias foi tão surpreendente que deixou a Europa de boca aberta e a questionar-se o que haveria de errado/certo (risque a opção que mais/menos lhe agrada) com Portugal. A sua vitória seria inquestionável se, tal como há quatro anos, tivesse conseguido obter uma maioria absoluta (mais de 115 deputados) que lhe desse estabilidade governativa, para não ter que negociar toda e qualquer medida que tente aprovar, quer com os partidos da esquerda, quer com o PS. Embora tenha ganho, perdeu 11,8% dos votos e, consequentemente, a sua maioria absoluta. Os partidos da coligação foram os únicos partidos na Assembleia que ficaram com menos lugares no hemiciclo do que aqueles que já tinham.
Veredicto: Uma vitória pírrica que, se reunirem as condições para uma tempestade perfeita, pode tornar-se  numa derrota épica pós-eleitoral, mas é pouco crível que assim aconteça.

 

O Partido Socialista foi o grande derrotado da noite, mas nem  por isso deixou de cantar vitória em surdina. Na prática teve um aumento de 4,3%, mas não conseguiu o seu grande objetivo, ter um número de votos maior que a coligação PaF. Mas, e como nisto da política tudo é relativo, como em conjunto com os partidos à sua esquerda tem de facto uma maioria absoluta, é de esperar que os socialistas pisquem o olho a coligações pós-eleitorais, que lhes permitam governar, mesmo não tendo ganho as eleições.

Veredicto: Sim, foi uma derrota e das grandes, por mais que por artes mágicas queriam mascarar estes resultados e transformá-los numa outra coisa qualquer. o ano passado o PS viu-se livre do seu líder por ter ganho um ato eleitoral por uma curta margem, que acontecerá agora a António Costa? Muita coisa pode acontecer, mas a menos provável é que, pelo menos para já, se torne Primeiro-Ministro, embora o sonho não tenha já morrido para muitos socialistas. Seria um precedente muito, mas mesmo muito perigoso, o líder um partido que não foi o mais votado numas eleições legislativas ser empossado Primeiro-Ministro. Muito perigoso mesmo.

 

O Bloco de Esquerda festejou a terceira vitória da noite. O partido obteve um resultado histórico, o seu melhor de sempre (suplantando o de Francisco Louçã em 2009 – 16 deputados). Durante os últimos anos o partido perdeu o seu líder carismático, viu algumas das suas figuras mais (re)conhecidas, casos de Ana Drago, Rui Tavares e Joana Amaral Dias, só para citar algumas, saírem e até fundarem novos partidos, parecia estar num processo de desagregação sem limites, mas… foi o partido que mais cresceu nas intenções de voto, tendo subido 5%, ganhou votos em todos os concelhos do país e duplicou a sua bancada parlamentar. É obra. Enquanto terceira força nacional, o Bloco de Esquerda conseguiu obter o número de deputados suficientes para conjuntamente com o PS igualar o número de deputados da coligação vencedora (85 + 19 = 104) e poder viabilizar uma solução alternativa de governo com dois partidos. Estará o partido pronto/disponível/desejoso para agarrar esse desafio? Durante a campanha eleitoral deu a entender que sim, é esperar para ver…

Veredicto: Vitória em todas as frentes possíveis e até nas não imaginadas.

 

A Coligação Democrática Unitária celebrou vitória nestas eleições, em primeiro, porque está nos seus genes celebrar vitória em todos os actos eleitorais. Depois porque também cresceu: Zero vírgula três por cento. E em terceiro, porque ajudou a que a direita não renovasse a maioria absoluta que detinha.

De todas as razões apresentadas há de facto alguma digna de comemoração pela Coligação? Sim, há, mas nem de perto, nem de longe se pode considerar a CDU como um dos vencedores desta noite eleitoral, ainda para mais quando o BE se intrometeu no espaço que lhe parecia reservado/destinado desde 1974.

Veredicto: Nem ganhou, nem perdeu, deu empate. O eleitorado da CDU é o mais estável e imutável.Com tudo o que isso tem de bom e de mau.

 

O Partido dos Animais e da Natureza, para não destoar, também comemorou vitória no seguimento dos resultados das eleições. Pela primeira vez na sua história o PAN conseguiu representatividade ao nível parlamentar, tendo conseguido eleger o deputado André Silva pelo distrito de Lisboa. Os animais, o ambiente e a natureza estarão agora finalmente na agenda política nacional (não é Verdes? Cof, cof), e isso promete ser uma tourada. Mas o PAN não se esgota aí. Defende a adoção por casais homossexuais (pela primeira vez na Assembleia da República haverá uma maioria favorável), a renegociação da dívida da troika e a atribuição de um rendimento básico incondicional, uma espécie de rendimento mínimo, na sua versão original, que visa diminuir as bolsas de pobreza, a revisão de todas as parcerias público-privadas, uma maior regulação bancária, a criação de impostos sobre artigos de luxo e a constituição de um período de nojo de 10 anos na transição de cargos públicos para cargos privados. Para saber mais sobre este pequeno partido que chegou à liga dos grandes, o único a consegui-lo nos últimos 16 anos, leia AQUI o seu programa.

Veredicto: Juntamente com a Coligação Portugal à Frente e com o Bloco de Esquerda um dos grandes vencedores da noite.

 

Acha isto confuso? Agora ponha-se na pele do Aníbal Cavaco Silva, o Presidente da República, que terá a última palavra sobre quem convidar para formar governo.

Veredicto Final: O Presidente da República convidará a coligação PaF a formar governo visto ser a única opção verdadeiramente viável nesse sentido, já que a esquerda portuguesa nunca se uniu e não parece que comece a fazê-lo agora. A Coligação governará minoritariamente enquanto o conseguir, muito provavelmente com o apoio do PS que deixará passar tempo e medidas, até que um dia, quando vir que os ventos lhe são mais favoráveis (sondagens cof, cof) deixará de o fazer e tornará a situação do país ingovernável provocando novas eleições, exatamente como o anterior Primeiro-Ministro, que também será o novo Primeiro-Ministro, fez há quatro anos. Cá se fazem, cá se pagam.

 

Outros vencedores desta eleição:

As Mulheres e a igualdade de género. No total das 230 cadeiras do parlamento vão ter assento 76 deputadas, exatamente um terço. Apesar da lei da paridade já estar em vigor desde 2006, esta é a primeira vez que tal sucede em Portugal (a lei da paridade destina-se às listas, não podendo ser aplicável aos eleitos).

Proporcionalmente, a CDU foi quem mais contribuiu para este resultado com 41,18%, (7/17), seguida da coligação PaF 33,3% (33/99), do Partido Socialista 31,78% (27/85) e do Bloco de Esquerda 31,58% (6/19). O PSD Madeira elegeu mais duas candidatas e o PSD Açores mais uma.

 

Outros derrotados desta eleição:

Os partidos mais pequenos que alimentaram legítimas aspirações de verem, pelo menos, um representante seu ser eleito, com o Livre – Tempo de Avançar de Rui Tavares e o Partido Democrático Republicano de António Marinho e Pinto.

 

A grande derrota da noite:

A Democracia. Na eleição de ontem foi batido o recorde histórico no que a abstenção diz respeito, 43,07%.

A evolução da abstenção para números cada vez maiores tem sido, praticamente, uma constante, mas nada fazia prever o número exorbitante verificado neste sufrágio.

abstenção

Por mais que se queira mascarar com emigrantes (só nos últimos quatro anos foram 200 mil, é certo) e eleitores fantasma (só Deus sabe quantos serão), há evidências indisfarçáveis. Dos 9.682.369 (nove milhões seiscentos e oitenta e dois mil trezentos e sessenta e nove) de portugueses que estão inscritos para votar, 4.170.196 (quatro milhões cento e setenta mil cento e noventa e seis) escolheram não o fazer.

 

Já os votos brancos passaram de 2,66% para 2,1% e os nulos registaram uma subida de 1,42% para 1,6%.

 

Tudo somado temos praticamente metade do eleitorado português a não se rever em nenhum dos partidos que se apresentaram a votos. No mínimo alarmante.

 

Leia mais:

>>> Saiba quanto ganha cada partido consoante os resultados eleitorais que obteve

Sem comentários

Deixe-nos a sua opinião

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.