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Charlie’s Angels: uma aventura parisiense com contornos hollywoodianos

(Imagem: Reprodução Aljazeera)

 

Charlie e seus pupilos dessa vez se envolveram no maior trailer de sempre: com direito a mobilizações públicas com mais de três milhões de pessoas e o maior corredor humano de chefes de Estado em praça pública da história moderna da humanidade. Isso, é claro, sem abrir mão do tradicional banho de sangue, muitos tiros e perseguições eletrizantes.

 

Não, isso não é uma sátira desrespeitosa acerca de um dramático e desumano massacre de cartunistas que estavam a trabalhar. É uma chamada de atenção sobre o significado do contraste entre a realidade dos fatos e o tamanho da repercussão habilmente conduzida por múltiplos agentes consoante seus objetivos individuais.

 

Todo esse movimento não é (infelizmente) consequência das perdas de vidas humanas (essa sim a verdadeira tragédia), muito menos da liberdade de expressão. Se isso não fosse verdade, enquanto contabilizam-se os “Charlies”, os mais de dois mil inocentes assassinados cruelmente na Nigéria pelo movimento Boko Haram e uma criança-bomba (Eu disse criança!) que explodiu matando dezenas no mesmo país teriam, no mínimo, o mesmo espaço na mídia. No Rio de Janeiro, todos os dias, morrem mais pessoas vítimas de violência (incluindo ataques à liberdade de expressão, racismo e tantos outros motivos) do que no Charlie Hebdo.

 

Essa trama do Charlie é um “sucesso de audiência” por motivos menos nobres, porém reais. É o protagonista certo no cenário certo. Paris, uma capital do mundo, no coração da Europa, e alguns comunicadores mortos. Aliás eles não precisariam sequer ter morrido. Se estivessem sequestrados, sendo da mídia, gerariam um buzz similar.

 

Na fria equação da visibilidade e comoção internacional há muitos pesos: negro ou branco, rico ou pobre, ocidental ou do resto do mundo, famoso ou anônimo, da mídia ou não. Isso não é novidade. Mas nem por isso é aceitável ou racional.

 

Num mundo conectado e freneticamente acelerado, as mesmas mortes brutais com motivações ideológicas serviram de combustível para diversos interesses e causas. Cada tribo aproveitou-se do tema conforme sua conveniência – para citar alguns: os partidos europeus de direita ganharam o álibi que precisavam para avançar com seus projetos de controle das minorias, os Estados europeus o contexto perfeito para avançar com a revisão do tratado de Schengen aumentando a vigilância das fronteiras da UE. Até os conspiratórios tiveram seu espaço para palpites sugerindo, dentre outros, uma ação coordenada pelos lendários Illuminati. Alguns religiosos levantaram a bandeira do combate à Islamização do ocidente. O Jornal Charlie Hebdo, agora com apenas parte da redação, está a vender em uma semana mais exemplares do que no ano inteiro. A lista é bastante extensa.

 

É evidente que questões como a tolerância religiosa, as fronteiras éticas do humor, a segurança, os direitos e deveres das minorias e tantas outras, são sim muito relevantes e devem ser discutidas, sobretudo em um momento como esse. Não é meu propósito entretanto adentrar por aí. O incontável material disponível sobre isso cumpre a sua função. O que parece não chamar muito a atenção das pessoas, e por isso vale uma chamada à reflexão, é onde termina uma real comoção pública e todas as suas consequências e onde começa o teatro de marionetes dos grandes.

 

Como já dizia o cantor Jorge Ben Jor: “take it easy my brother Charlie”.

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