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Crises deixam moçambicanos sem grandes expectativas para 2017

Leya

 

Ao término de mais um ano, tudo o que se ouve pelas ruas e avenidas deste país da pérola do índico são lamentações e mais lamentações. Lamúrias de esperanças defraudadas, metas não concretizadas e um futuro incerto à vista.

 

Moçambique até há um curto espaço de tempo era visto como o “el dourado” e um lugar propício para investimentos, mas passou de um dia para o outro a ocupar a posição do país mais endividado do mundo após a descoberta, em Abril último, de dívidas escondidas no valor de 1,4 mil milhões de dólares, contraídas a favor de empresas estatais entre 2013 e 2014 com garantias do Estado, o que fez com que o grupo de doadores do Orçamento do Estado suspendesse os financiamentos, aumentando as incertezas de um povo que já estava entre os mais dependentes e pobres do mundo.

 

De lá para cá o país vem se arrastando em crises sequenciais que vão desde o agravamento do custo de vida, uma crise política e militar que opõe o Governo e a Renamo (maior partido de oposição), que causou várias mortes, efeitos nefastos de desastres naturais, (seca no sul e excesso de chuvas na zona centro e norte) que colocaram um milhão e meio de pessoas em situação de insegurança alimentar e ainda a perda de credibilidade no exterior após a descoberta das avultadas dívidas escondidas.

 

Para além destas, sucede a depreciação da moeda nacional (metical) face ao dólar e outras moedas estrangeiras como o euro e o rand criando uma desaceleração da economia para uma estimativa abaixo dos 4% em 2016, num país onde os níveis de crescimento chegavam aos 7% nas últimas duas décadas, anualmente.

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) exigiu uma auditoria internacional para averiguar as origens das dívidas escondidas e recomendou posteriormente que o governo moçambicano tomasse pesadas medidas de austeridade fiscais e monetárias.

 

O Governo moçambicano assumiu em Outubro último a incapacidade de pagar as próximas prestações das dívidas acima referidas e pediu aos credores uma reestruturação dos seus encargos, sem a qual o FMI não poderá prosseguir com um novo programa de apoio, já que as suas próprias regras impedem o financiamento de países com dívida em esforço ou problemática, como é o caso de Moçambique onde a dívida pública atingiu os 130% do PIB, segundo informações da Agência Lusa.

 

Como muitos países africanos, Moçambique depende da ajuda externa, que reduziu drasticamente nos últimos anos. Face a este descalabro na economia, o Governo aprovou, no mês de Julho, um orçamento retificativo, marcado pela austeridade e pela revisão em baixa do crescimento para 4,5%, contra os 7% inicialmente estimados, actualizando os valores da inflação para os 16,7%, e reduzindo as reservas internacionais líquidas para uma cobertura de apenas três meses de importações, segundo informações da Plataforma Macau.

 

Estas são percentagens que muitos moçambicanos desconhecem o significado mas já sentem os efeitos nos seus bolsos e nas mesas quando a comida começa a faltar.
Este é o caso de Samson, um jovem que dia e noite percorre as janelas dos autocarros gritando “mata mosquito 3 por 10 meticas” e repete a mesma frase várias vezes na tentativa de que algum cliente se interesse. Alguns fecham as janelas e outros simplesmente o ignoram, poucos são os que ainda compram. Este é o dia-a-dia de Samson Manhiça, que há mais de 15 anos faz das ruas da capital moçambicana o seu posto de trabalho.

 

– Estamos aos empurrões, as coisas estão muito difíceis agora – lamenta o vendedor ambulante.

 

Samson tem que dividir o pouco que ganha com o chapa (transportes semi-colectivos) para ir ao serviço, as fraldas e alimentação para os seus dois filhos e esposa.

 

O jovem de quase 30 anos prefere não levantar falsas expectativas para as festas de fim de ano.

 

– Não tenho ideia, vamos comer à rasca, o quilo de arroz comprávamos a 30 meticais e hoje já está 60 a 70 meticais – afirma.

 

Com o crescente aumento do custo de vida os negócios dos vendedores informais já não correm ao mesmo ritmo.

 

– As pessoas reclamam dos preços e compram muito pouco por isso estou sempre a mudar de negócio, quando faz calor vendo toalhas de rosto, produtos para matar mosquitos, tento adaptar-me a o que acho que os clientes mais precisam – diz.

 

Samson, de números pouco percebe, não se lembra da última classe que frequentou e diz brincando, “só fui espreitar a sala de aulas. Mas vi que a vida não está nada fácil. Já não tinha condições para comprar cadernos e até chinelos para ir a escola por isso preferi apostar em pequenos negócios. Quando dei por mim a idade já se tinha ido e com a vida assim já não dá para prolongar os estudos” lamenta.

 

Quem também lamenta é Cristina Panguene, camponesa e vendedora de hortícolas numa das avenidas mais movimentadas da cidade mas que nem por isso escapa à falta de clientes. A vendedora reclama da falta de chuvas e da subida dos preços de tudo.

 

– Isto não é normal, estamos a pagar por alguma coisa, até a natureza nos nega alimento. A terra mudou, as temperaturas subiram muito, e os vendavais destruíram muita coisa.

 

Dona Cristina lamenta não ter preparado nada para as festas.

 

– Os preços nunca estiveram tão altos como este ano, e não sei o que será do próximo mas não tenho muitas esperanças, dependo do que tiver na minha machamba, entrego tudo nas mãos de Deus – afirma.

 

No seu informe anual, o presidente moçambicano Filipe Nyusi referiu-se ao ano de 2016 como um ano adverso, de um tempo difícil.

 

– O ano que agora finda foi um momento em que se acumularam os efeitos da ausência de Paz, de crise económica e financeira interna e global. Foi um ano em que sofremos gravemente os impactos de calamidades naturais. Esses tempos de crise manifestaram-se em todo o mundo, em todas as nações – afirmou.

 

Sobre a situação económica o PR afirmou que a suspensão do apoio directo ao Orçamento do Estado pelos parceiros de cooperação é de cerca de 477 milhões de dólares e que “a crise internacional foi corroendo a nossa resiliência aos choques externos”.

 

Ao dirigir-se aos moçambicanos recentemente, Filipe Nyusi disse que “apesar dos constrangimentos, orgulha-nos dizer que a situação geral da nação mantém-se firme. A nação moçambicana é capaz de enfrentar os desafios presentes e futuros”.

 

Para pessoas como Samson e Cristina e vários outros moçambicanos 2017 irá iniciar sem muitas expectativas e o único lema é manter-se “firme” na luta pela sobrevivência.

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