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Entenda a crise angolana: os efeitos da baixa do petróleo na economia do país

No dia em que o Conselho da República angolano se reúne para analisar e discutir os rumos face à crise, nós explicamos o que precisa saber sobre a situação econômica do país.

 

Como outros países com economia centrada nos hidrocarbonetos, Angola foi duramente afetada pela baixa do preço do petróleo, o que levou o presidente José Eduardo dos Santos a tomar medidas econômicas de urgência.

 

O petróleo representa atualmente 48% do PIB, 98% das exportações e 72% das receitas de Estado angolanas.

 

Orçamento anual revisto para enfrentar a crise

O peso do petróleo na economia é tal que obrigou o Executivo angolano a rever o Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2015, que havia sido aprovado no final do ano passado, reduzindo o preço de referência do petróleo – principal produto de exportação do país – de 81 para 40 dólares.

 

A revisão do OGE foi aprovado na última sexta-feira, em reunião do Conselho de Ministros, implicando o corte de um terço do total da despesa pública, uma redução da previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 6,6% e um déficit estimado de 6,2% do PIB, contra os 7,6% do documento ainda em vigor.

 

Medidas de austeridade anunciadas

O governo angolano anunciou no início deste mês a possibilidade de um aumento de 10% no preço dos combustíveis no país. Esta alteração representa, na verdade, uma redução do subsídio estatal no preço final ao consumidor. Diferentemente de outros países, que tentam balizar o preço dos combustíveis pelas cotações internacionais, em Angola o preço é tabelado pelo Estado.

 

Apesar de ser o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, Angola necessita importar combustíveis devido à reduzida capacidade de refinação. Para manter os preços baixos, o Estado destina subvenções à operação, que só em 2015 devem custar às contas públicas mais de 3 bilhões (mil milhões) de euros.

 

A transferência de capitais para o estrangeiro e a importação de bens foram congeladas até segunda ordem, a começar pelos bens de consumo produzidos no estrangeiro. O tipo de produtos e serviços importados são muito variados e refletem as limitações ao nível dos fatores produtivos não-petrolíferos em Angola: no que concerne aos produtos agroalimentares, por exemplo, o país não produz mais que 60% das suas necessidades.

 

Efeitos na lusofonia

O crescimento vertiginoso de Angola na última década ajudou a deixar em evidência o potencial econômico da lusofonia (tome-se como exemplo o crescimento de interesse de países em estreitar laços com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP). Mas o crescimento conjunto tem das suas contrariedades: quando a economia angolana treme, as cifras lusófonas sentem as consequências.

 

Para os países que não são produtores da commodity, a queda do preço do petróleo pode sim significar uma redução de bilhões dólares quando o assunto é a importação de combustível para países de maior porte, como Brasil e Portugal.

 

Contudo, o cenário em Angola pode levar ao encerramento de empresas, com consequências econômicas e sociais graves. A queda vertiginosa do preço do petróleo, principal motor da economia do país, faz com que chegue muito menos dinheiro aos cofres públicos angolanos. Em resposta, o país travou a fundo as compras ao exterior, decretando um limite para importação de produtos.

 

A partir daí, o cálculo é simples: se há um limite para o que é comprado, quem vende também vai vender muito menos.

 

Na imprensa internacional

O momento delicado da economia angolana recebe destaque na imprensa internacional. Para o jornal francês Courrier Internactional, a forte queda do preço do petróleo deixou Angola “à beira de uma crise de nervos“. O norte-americano The Wall Street Journal noticiou os cortes no orçamento anual do país e destacou os efeitos da queda do petróleo no continente africano.

 

No Brasil, a principal preocupação é com a exportação. O mercado externo, que até 2014 era fonte de boas notícias para o setor de produção de carne brasileiro, se tornou motivo de incertezas com a queda do petróleo no mercado internacional, que reduziu a capacidade de compra dos países produtores da commodity.

 

Segundo informações da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), países exportadores de petróleo como Rússia, Venezuela e Angola reduziram as compras de carne brasileira. No caso de Angola, a queda foi de 50% nos volumes de carne de frango importados do Brasil no último mês, noticiou o Valor Econômico.

 

Já em Portugal, para além das relações comerciais, há também uma preocupação com os mais de 200 mil nacionais que lá vivem. “As dificuldades não são novas, mas desta vez, parece que estamos a assistir ao fim do Eldorado angolano“, noticiou a revista Visão. Angola é o quarto maior importador de Portugal, com um total de 2,4 milhões de euros anuais.

 

A facilidade da língua e as boas notícias de crescimento econômico fácil seduziram milhares de portugueses que migraram para o país na última década, fazendo de Angola um “perfect spot” para quem queria, acima de tudo, ganhar dinheiro. O país acolhe também milhares de empresas portuguesas, principalmente no setor da construção. Na última semana, foi largamente noticiada a dificuldade de conversão dos salários e envio de divisas a Portugal. O presidente do Sindicato da Construção de Portugal, Albano Ribeiro, alertou para o possível regresso de Angola de milhares de trabalhadores do setor, por dificuldades econômicas.

 

Em apenas um ano (de janeiro a novembro de 2014, em comparação com o mesmo período de 2013), as transferências dos trabalhadores portugueses em Angola diminuíram 14,3%. Em termos percentuais parece não ser assim tanto, mas o número é alarmante quando “traduzido” para unidades monetárias: foram menos 43,6 milhões de dólares que deixaram de ser enviados.

 

A falta de dólares no mercado também já afetou a venda de bilhetes aéreos da TAP, que anunciou que não aceita mais kwanzas para o pagamento de passagens na rota Luanda-Lisboa.

 

Operações com moeda estrangeira liberadas

O Banco Nacional de Angola (BNA) autorizou no fim de janeiro os bancos que operam no país a voltar a importar, exportar e reexportar divisas, sem autorização prévia. O anúncio desta medida surge numa altura em que a moeda nacional, o kwanza, segue em forte desvalorização cambial, com o dólar norte-americano registrando grandes subidas no mercado informal, sendo o aumento da facilidade dos bancos no acesso as operações com dólares visto como uma forma de travar a disparidade entre a moeda norte-americana e o kwanza.

 

As limitações, introduzidas em janeiro de 2014, visavam travar a lavagem de dinheiro (branqueamento de capitais) através de Angola.

 

Uma economia mais preparada que em 2008

O Jornal de Angola defendia, em 20 de janeiro, os recursos da economia no país: “Angola tem formas de vencer a crise“. O jornal, próximo do governo, se baseia em um relatório do Deutsche Bank que apontou que “a economia angolana está melhor preparada do que na última crise do petróleo, em 2008“, citando como explicação “um aumento sólido do PIB, uma dívida pública moderada, reservas financeiras consequentes e um desenvolvimento em outros setores da economia“.

 

Crise a longo prazo?

Segundo o jornalista José Gomes Ferreira, a situação está longe de ser passageira e a razão da crise não é unicamente a queda do preço do petróleo. Segundo o analista, a retirada de Angola da lista do Banco Central Europeu de países que têm qualidade na supervisão dos seus bancos abalou a confiança de investidores no país. As autoridades norte-americanas também reformularam os mecanismos de controle de investimento a zonas que têm risco de lavagem de dinheiro (branqueamento de capitais) e corrupção. Investir em Angola passou a ser considerado uma operação de risco, o que diminuiu a entrada de receitas estrangeiras.

 

Uma economia que vende e produz petróleo atrai investidores, porque há uma expectativa desse fluxo, e o país cresce não só pela receita da produção interna, mas pela expectativa dos investidores, que se traduz em investimento externo“, explica.

 

Diversificação da economia

Há quem veja com otimismo a situação angolana, apontando o atual momento como uma oportunidade para a “libertação da petrodependência” por meio da diversificação da economia do país e adaptação das empresas que para lá exportam ao perfil “real” do consumo do país.

 

Resta agora saber quais serão as medidas resultantes da reunião de hoje e torcer para que sejam a melhor estratégia para a recuperação.

 

Leya

6 Comentários

  1. 12 Outubro, 2015 às 1:28 — Responder

    Repetidas vezes escreve “econômico” erradamente

    “económico” é como deve ser escrito

    Claro que parto do principio que o texto é escrito em Portugues

  2. 12 Outubro, 2015 às 1:33 — Responder

    “o kwanza, segue em forte desvalorização cambial, com o dólar norte-americano registrando ,,,,,,”

    Está errado.

    O gerundio do verbo REGISTAR é registando

    (Por favor consulte uma gramática)

    • 14 Outubro, 2015 às 16:37 — Responder

      Prezado Carlos Rodrigues,
      A Conexão Lusófona é uma rede formada por jovens de todos os países de língua oficial portuguesa. O Portal da Conexão Lusófona, cujos artigos são escritos por integrantes desta mesma rede, tem como proposta a valorização da interculturalidade. Este artigo é de autoria de uma jornalista brasileira e está em acordo com o português correto.

  3. Filipe Martins
    1 Janeiro, 2016 às 7:38 — Responder

    De nada vale diversificar a economia se os dirigentes não sabem o que fazer com o dinheiro. Primeiro.

    Segundo, não existem corpos efectivos de auditoria a observar as operações financeiras aqui efectuadas.

    Terceiro, não existem métodos de avaliação de decisões tomadas pelos membros superiores no governo. Não sabemos sequer que decisões tomam visto que nenhuma sessão parlamentar é observada “de perto” por membros que possam cá pra fora divulgar o que lá dentro se passa.

    O que cá acontece é como uma família que não se comunica: os pais trancam-se no quarto pra discutir e só dizem aos filhos aquilo que acham que eles vão entender.

    Precisamos é de:
    Primeiro: um corpo regulamentar INDEPENDENTE que se encarregue de observar e corrigir as decisões tomadas por membros do parlamento, dos quais nós o público dependemos. (O que eles dizem nós temos que fazer- chato.)
    Segundo: ter toda e qualquer informação que seja do interesse público e que o afecte directamente, disponível e de fácil acesso.
    Terceiro: compreensão dos problemas apresentados e a busca de soluções que ajudem todos membros do público de forma a não beneficiar apenas aqueles que tomam tais decisões.

    Conclusão : precisa – se de ímparcialidade política e económica.

  4. Adilson Fernandes
    12 Outubro, 2016 às 23:13 — Responder

    Gostei da forma como o artigo foi apresentado, de sorte que estou usando algumas informações do mesmo para consecução de um trabalho de pesquisa. Gostaria saber em detalhes a data da sua publicação para melhor enquadramento na referida pesquisa.

    • 13 Outubro, 2016 às 11:49 — Responder

      Olá Adilson,

      O artigo foi publicado a 10 de fevereiro de 2015.

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