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Mia Couto aponta o futuro da poesia em Moçambique

Leya

 

Mia Couto é escritor e poeta, por vezes orador, mas também profeta do tempo. Os seus escritos de ontem ainda hoje se reflectem. Revela-se um criador nato de palavras e também um autêntico contador de histórias em seus livros. É desde o século passado, uma das maiores referências em termos de literatura moçambicana. As suas obras e discursos movimentam massas que se veem reflectidas nos seus parágrafos.

 

As palavras que escreve se comparam a uma oração que abre uma janela de um mundo fictício criado para falar com Deus.

 

Em entrevista exclusiva ao portal da Conexão Lusófona, Mia Couto diz se encaixar naquilo que podemos chamar “escritor lusófono”, isto se este conceito se limitar apenas a quem escreve na língua de Camões.Escritor há mais de 30 anos, confessa que primeiramente foi um tanto quanto resistente ao termo “lusofonia”, por considerar que poderia criar alguma exclusão para grande parte da população moçambicana que por motivos étnicos não partilha a língua portuguesa como principal.

 

Para o autor de “O Último Voo do Flamingo”, a literatura moçambicana está num nível aceitável em comparação com a literatura feita por outros países falantes de língua oficial portuguesa, mas ainda assim reconhece que não há muita ligação entre as ditas “literaturas lusófonas”. Elas existem sim, têm um passado comum, mas são feitas de forma independente de acordo com as realidades sociais vividas actualmente por cada país. Neste contexto seria difícil falar de literatura(s) lusófona(s).

 

Neste seu percurso pelos caminhos da escrita há referências obrigatórias para o autor de “Mulheres de Cinza”. Mia Couto se revela um autêntico apaixonado pela poesia de Fernando Pessoa em “Desassossego”, uma das últimas obras deste autor que retrata um dos “eus” mais profundos de Pessoa que se enraíza-se em Bernardo Soares. Mas afirma que uma das principais obras que já leu é sem dúvida “Dom Quixote de La Mancha”, a história do famoso cavaleiro andante.

 

Ainda no mundo da poesia que o inspira, Mia Couto se perde nos encantos da poesia de Sophia De Melo Breyner. Um dos poemas que mais o marcou é da autoria desta poeta e chama-se “Meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel”. O romance “Leite Derrramado” de Chico Buarque e a poesia de Alejandra Pizarnik são algumas das leituras que tem em mãos.

 

Um futuro à vista para literatura moçambicana por Mia Couto

 

– Afinal a poesia não se perdeu em Moçambique.

 

Quem o diz é o próprio Mia Couto, referindo-se aos jovens emergentes da literatura moçambicana que aos poucos despontam na oficina poética por si criada na Fundação Fernando Leite Couto, onde tratam a poesia por “tu”.

 

Hirondina Joshua, Lionel Português e Lucílio Manjate e tantos outros são jovens com indícios promissores na literatura moçambicana para Mia Couto.

 

Hirondina Joshua é uma jovem moçambicana com o dom da escrita, escreve para portais de Portugal e do Brasil e foi a vencedora do Prémio Internacional de Poesia Nósside organizado pela embaixada da Itália. Não tem ainda um livro publicado mas a sua poesia já conhece outras fronteiras.

 

Não escrevo para ser vista, escrevo para não ser vista.

O desassossego me embrulha.

Mas, não será a escrita a pior nudez?

Estou nua todos os dias que a grafia me busca.

A Lua entre os dedos, a maçã numa alusão indescritível.

Há muito pudor na escrita.

Há muito poder na escrita.

A pele fresca canta e se impõe a uma tal leveza superior inigualável.

A abundância da supremacia.

No osso que sai à carne para junto da pupila engrandecer o século.

A veia apagada, essencial faz o seu trabalho guindástico no peso do músculo.

Estou nua sempre que o verso me chega.

Sou nua sempre o verbo me cega.

A luz. O despropósito avança ao domínio de qualquer coisa vestida e arrebatadora.

A nudez é nua. Para os que têm olhos. A nudez é vaidosa para os que querem ver mais do que podem ver.

E a escrita? Deambula de quarto em quarto na casa do agente, a palavra vaga estreita e delgada no caminho da descoberta.

Há pudor e há poder.

– E agora acredito: “quem fabrica um peixe, fabrica duas ondas…

 

Lionel Português é outra promessa para a arte da escrita e já compartilha os seus escritos com outros aspirantes a escritores na oficina poética da Fundação Fernando Leite Couto. Os contos são a sua preferência mas tem também alguns poemas.

 

Poema 1

Tanto número

Tanta palavra

No mundo tanto som

Tanto ruído 

Tanta grade também 

Estou triste

Estou ausente 

Até que passe

Uma correria de crianças.

 

Poema 2

Hoje apetece que venhas no jornal

como um anúncio. Sem fotografia.

E inventar-te uma lenda de cristal

para reflectir a minha biografia.

Lionel Português (01.04.16)

 

Lucílio Manjate é um jovem escritor que tem já quatro obras publicadas: “Manifesto”, “O contador de palavras” e “A Legitima Dor de Dona Sebastião”; e é co-autor da obra “Antologia Inédita” que reúne trabalhos feitos pela nova geração de escritores moçambicanos. Actualmente, Lucílio Manjate orienta debates sobre a literatura moçambicana nas sessões da oficina poética para jovens que se interessem pela escrita.

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