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Angola abriga o maior cemitério de barcos encalhados do mundo

Navios encalhados na praia de Santiago, Angola — Imagem (edição livre): Reprodução Flickr )

Apenas uma hora afasta a praia de Santiago, alojada no bairro de Sarico, da capital angolana (Luanda). É famosa pelo sossego, peixe e marisco e, sobretudo, pela decoração naval naufragada. Ali, jazem dezenas de navios que, ao longo do tempo, têm sido corroídos pelo vento e salitre marinhos. Segundo as informações que constam no acervo virtual do Google, é “o maior” cemitério de barcos do mundo.

 

As coordenadas que conduziram a praia até ao epíteto supracitado são ambíguas — alguns pescadores afirmam que as embarcações, outrora abandonadas no porto de Luanda, foram depositadas naquelas águas como lixo; outros culpam as correntes marítimas pelo encalhamento das infraestruturas. Há quem vá mais longe e defenda, principalmente pela região de Sarico, que os navios foram encalhados de forma estratégica naquela praia, retirada a cerca de 30 quilómetros da capital. O transporte massivo de armas para a guerra civil, que decorreu entre 1975 e 2002, é o principal motivo apontado.

 

Explicações à parte, a verdade é que, hoje em dia, a praia de Santiago é sinónimo de “ouro turístico”. Diariamente, visitantes de todas as nacionalidades são movidos pela curiosidade de apreciar — e em grande plano — o misterioso jazigo náutico de Angola.

 

Vista panorâmica da praia de Santiago, Angola — Imagem (edição livre): Reprodução Wikimedia Commons)

Ao longo da linha da maresia, a disposição destas “embarcações-fantasma” ajuda a construir o cenário balnear. De longe, parecem pequenos pontos de metal perfilados, enraizados na orla costeira. No entanto, quando são encarados mais de perto, as verdadeiras dimensões enchem os olhos de quem os analisa. Outrora, foram gigantes dos mares, responsáveis pelo transporte das mais diversas mercadorias. Hoje, encontram-se à deriva, vestindo um tecido de metal enferrujado que ajuda a esconder alguns dos traços físicos.

 

Sedimentados como enormes rochas, o petroleiro Karl Marx e a antiga estrela da marinha mercante angolana, o Joaquim Kapango, são os navios que, pelo tamanho megalómano, se destacam na costa da praia de Santiago. Contudo, são mais de 30 embarcações para registar. Se umas descansam na areia, outras continuam sem rumo em alto mar, esperando que as ondas tomem as rédeas do leme e as façam aportar em terra.

 

Mesmo assim, entre as ruínas metalizadas, avistam-se banhistas. Principalmente durante os fins de semana, dezenas de jovens angolanos visitam o local e apreciam a atmosfera. Por lá, os cliques das câmaras fotográficas dos turistas e os mergulhos barulhentos misturam-se, criando uma simbiose perfeita para a absorção da energia que paira sobre a praia de Santiago.

 

Os habitantes de Sarico encaram o ornamento naufragado como sendo um postal diário. Já os estrangeiros alimentam a vontade de visitar um local insólito e especial — para os comuns mortais, não é um cenário usual. Já existem excursões guiadas, realizadas em veículos 4×4, e a praia de Santiago já consta em plataformas como TripAdvisor e Lonely Planet“Ótimo para fotografias”; “compensador”; “muito interessante”; “bonito”; ou “exótico” são alguns dos pareceres que ficaram em rescaldo, tecidos pelos visitantes.

 

Enquanto se caminha pelo areal, os restos dos navios, que se vão desvinculando da carcaça-mãe, tornam o terreno irregular. Desta forma, a cautela deve acompanhar qualquer visita. Não existe grande sinalização nas redondezas e o calor pode ser abrasador, dependendo da época. Não se aconselham estadias solitárias ou desprovidas de guia turístico — mesmo que improvisado. Em suma, desde que estejam precavidos, todos os curiosos são bem-vindos.

 

Nas imediações, avistam-se pescadores que têm a baía “tatuada” no corpo e na memória. Conhecem-na como ninguém, já que foram crescendo e pescando entre os barcos encalhados. A herança passou de pais para filhos e, por entre os escombros inundados, é comum verem-se crianças a vasculhar os vestígios abandonados e a chafurdar na água salgada. É como se tivessem inteiramente à disposição um parque de diversões temático.

 

Navio encalhado na praia de Santiago, Angola — Imagem (edição livre): Reprodução Flickr )

Do alto, enquanto se sobrevoa a costa de Angola, bem pertinho de Luanda, é possível identificar os destroços deste (quase) museu aquático. Este continua a resistir à erosão temporal e às súbitas investidas das ondas do Atlântico. A água que o circunda é quente e quase transparente. Convida ao relaxamento e à contemplação.

 

Afinal de contas, a praia de Santiago pode ser comparada a uma bela obra cinematográfica, digna de diversos “óscares do turismo”. Os detritos dos titãs metálicos conferem-lhe um certo quê de fatalismo e, como nos filmes, o drama tem – e terá sempre – o poder de acelerar corações, deixando os telespectadores boquiabertos – até os mais céticos. Vale a pena comprar bilhete: é cinema ao ar live.

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