Sociedade

O que os brasileiros em Portugal têm a dizer

O processo de imigração pode encerrar em si uma série de ideias diferentes. Para alguns, é uma grande oportunidade de crescimento profissional, que exige planejamento, foco, organização e método. Para outros, um degrau a mais na compreensão do seu verdadeiro “eu”, afastando-se das suas origens para analisar padrões de comportamento e reconfigurar a sua estrutura interior. Outros, ainda, de espírito mais aventureiro, só querem a experiência de estar em outra cultura, sem saber bem o que esperar. Vão com a cara e a coragem e veem em que isso resulta. Mas, todos, a partir do momento em que imigram, tornam-se outras pessoas.

 

Perguntamos a brasileiros que moram em Portugal sobre as experiências no país lusófono e como isso alterou a sua forma de ver a vida. Da frustração à percepção de que encontraram o seu lugar no mundo, veja algumas dos depoimentos que chegaram até nós!

 

A língua é realmente tão próxima?

 

Weslen Silva veio do Rio de Janeiro com 34 anos para trabalhar em Portugal. Chegou em 2017. Os planos eram vir a Lisboa, conseguir um apartamento para morar sozinho e iniciar imediatamente o processo de busca pelo emprego. Designer, ele queria trabalhar na própria área. Não demorou muito para perceber que não seria tão fácil como imaginava.

 

“Foi uma frustração muito grande. Eu imaginava que, pela proximidade da língua, havia uma proximidade geral. E não há. Primeiro, que a língua não é exatamente a mesma. As expressões são outras, a forma de construir ideias, de organizar as palavras em uma frase, dão sentidos diferentes e podem confundir muito.”, afirma o rapaz, que defende a ideia de que em Portugal fala-se português e no Brasil fala-se brasileiro.

 

“Mesmo na minha área de atuação, há uma diferença clara de cultura organizacional e de trabalho, inclusive nos tipos de programas que se usa e coisas que se pretende como resultado”, complementa.

 

Assim como Weslen, Poliane de Oliveira, que decidiu morar no norte de Portugal, sentiu a primeira dificuldade na compreensão da língua. “Meu primeiro impacto foi a linguagem, apesar de ser o mesmo idioma, a comunicação no início foi complicada. Até para compreender o que professores falavam era bem difícil”, ressalta a jovem.

 

E não é apenas o sotaque português que pesa. Nas expressões comuns do dia a dia pode haver confusão. É preciso algum tempo para se habituar à ideia de pedir fiambre em vez de presunto ou natas em vez de creme de leite. Entender o que é uma alheira. Procurar um contabilista em vez de contador.

 

Ou, mais ainda, não se assustar quando a vizinha oferecer grelos para comer e entender que se um médico diz “Ora bem, vire o cu que vou dar-te uma pica”, está dizendo simplesmente que vai te aplicar uma vacina ou injeção nas nádegas.

Algumas diferenças do português

Brasil Portugal
açougue talho
aeromoça hospedeira de bordo
apostila  sebenta
bala rebuçado
banheiro casa de banho
calcinha cueca
carteira de motorista carta de condução
celular telemóvel
conversível descapotável
estilete x-ato
faixa de pedestres passadeira
geladeira frigorífico
grampeador agrafador
história em quadrinhos banda desenhada
injeção injeção ou pica (gíria)
ônibus autocarro
pedestre peão
ponto de ônibus paragem
professor particular explicador
sanduíche sandes
sorvete gelado
suco sumo
trem comboio
vitrine montra
xícara chávena

Os europeus são conhecidos por serem diretos ao falar — às vezes até injustamente sendo considerados rudes por isso. Portugal não é exceção e foi um dos fatores que mais chamou a atenção do estudante Flávio Sugii. “O que me chamou a atenção é que eles são mais diretos ao conversar. Não ficam com rodeios como é muito comum no Brasil até chegar na questão”. Flávio pensou que seria mais difícil fazer amizades com portugueses. “Mas, ao contrário, aqui no Porto, são muito receptivos e amistosos. Posso dizer, com certeza, que tenho amigos portugueses com quem posso contar.”.

 

Trabalhos: mais díficil do que parece

Weslen, hoje, trabalha em um restaurante e diz que, além da língua, uma das questões mais complicadas nos primeiros tempos foi o processo de visto de trabalho. Ele veio com visto de turista — com validade de três meses — e a intenção de ficar. Mas só depois de ter contrato de trabalho é que conseguiu regularizar a sua situação no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), permanecendo um tempo ilegal. “Foi uma tremenda dor de cabeça”, resume, além dos custos financeiros. Até conseguir o contrato — o que não foi fácil — trabalhava informalmente em condições que considera precárias.

garçom brasileiros em portugal
Setores da restauração e hotelaria são os que mais oferecem vagas em cidades turísticas — Imagem: Pixabay

O mercado de trabalho em Portugal tem crescido nos últimos anos. De 2015 a 2018, segundo o Pordata, os trabalhos formais a tempo integral aumentaram de 3,9 milhões para 4,3 milhões, enquanto os trabalhos a tempo parcial diminuíram de 566 mil para 511 mil no mesmo período. Os desempregados caíram de 855 mil em 2013 para 366 mil em 2018. E a taxa de desemprego, que em 2013 era de 16,2%, terminou 2018 em 7%.

 

Esses números animam os brasileiros que veem em Portugal a chance de uma vida melhor. Mas não se pode tomar esses dados como uma garantia de emprego ao chegar ao país. É preciso tomar outros cuidados, desconfiar de algumas informações disponíveis e relacionar outros fatores.

 

Mesmo com o desemprego em baixa, há muita mão de obra qualificada no país que está ociosa. Esse é um dos maiores motivos pelo qual os jovens portugueses — muitos com cursos superiores, mestrados e doutoramentos — emigram: trabalhar em outros países da União Europeia. “Achei que já estaria estabelecido, com um apartamento arrendado e trabalhando por aqui”, afirma Flávio Sugii, que chegou a Portugal em fevereiro de 2018 para fazer mestrado e também relata a dificuldade de trabalho como um desapontamento em relação à expectativa anterior. Em Portugal, algumas cidades têm o setor turístico como alternativa ao desemprego, sendo comum o trabalho em restaurantes, cafés, bares e casas noturnas. Mas são poucas as opções em áreas específicas para quem tem curso superior, já que o mercado é pequeno e o fator cultural pode ser uma barreira.

 

Aluguel sempre a subir

Vir na cara e na coragem, como fez Weslen, não é aconselhado por outros brasileiros ouvidos pela reportagem. A jornalista Vanessa Cortez, que veio em setembro de 2017 com o marido e o cachorro para morar em Braga, atenta para a questão financeira. “Um bom planejamento — principalmente financeiro — é a melhor forma de vir para Portugal. Apesar de ter um custo abaixo da média da Europa, os arrendamentos subiram muito e não é um país com larga oferta de emprego”, opina. Para a pernambucana, o ideal é vir com dinheiro para passar, pelo menos, um ano sem precisar trabalhar.

 

O primeiro ano significa procura por uma casa, lidar com burocracias e documentos — o que gera custos para os quais muitos não estão preparados. “Depois, ainda tem a adaptação à nova cultura, a um novo clima, aos estudos e tudo isso mexe com o emocional. Por isso, ter a obrigação de encontrar um trabalho — o que não é fácil — pode virar um fardo e transformar a experiência em algo negativo”.

 

Lisboa brasileiros em Portugal
Os alugueis nas grandes cidades têm escalonado nos últimos anos. Na foto, Lisboa. Imagem: PxHere

As pesquisas do casal começaram ainda em 2016, selecionando e organizando informações sobre custo de vida e oportunidades, até que decidiram se mudar. Ao chegarem, muitas coisas eram diferentes do que viram na internet. “A começar pelos preços de arrendamento. Além de pesquisar em sites de aluguel de imóveis — que mais tarde descobrimos que são bem desatualizados —, começamos a participar de grupos no Facebook de brasileiros que já viviam por aqui, a ler blogs, assistir vídeos no YouTube, etc. Saímos com uma ideia de preço de aluguel e pensando que não teríamos tanta dificuldade em encontrar imóvel, já que não estávamos indo para as duas grandes cidades de Portugal [Porto e Lisboa]. Mas, não foi bem assim.”

 

Pagar o novo valor do aluguel foi o primeiro golpe, então, no orçamento do casal, que percebeu que os alugueis custavam pelo menos 100 euros a mais do que o planejado. O motivo pode ser a especulação imobiliária pela qual Portugal tem passado por ser um grande destino de turismo europeu. O segundo foi a alimentação, com a qual gastam duas vezes mais do que haviam previsto. Mas, quanto a isso, é normal. “Não poderíamos ter nos baseado no valor gasto com alimentação por pessoas que nem conhecemos (no caso, as que escrevem as suas experiências na internet). As pessoas têm hábitos alimentares diferentes e isso, no fim das contas, tem um peso também diferente no quanto se paga”, pondera.

 

A grande dificuldade encontrada por Flávio — como grande parte dos brasileiros ressaltam — também foi o aluguel. “Achei que seria mais fácil e mais barato arrendar um apartamento. Não foi tão fácil. Até vi alguns, mas a competição aqui na época era muito grande e acabei perdendo as oportunidades. Com o tempo, as rendas foram aumentando cada vez mais e, no espaço de um ano, subiram muito. Hoje, vivo em um quarto por ser mais próximo da faculdade”.

 

Com a especulação imobiliária no Porto — onde Flávio escolheu viver — os alugueis sobem acima do índice indicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), considerado o valor de referência. Há casos em que o valor aumenta em até 50%. E mesmo o índice oficial de reajuste de alugueis em 2019 foi o maior dos últimos 9 anos: 1,15%. Foi de 1,12% em 2018 e 0,54% em 2017.

 

Poliane de Oliveira — que chegou em Portugal em fevereiro de 2018, para um intercâmbio de 5 meses, mas decidiu ficar — resume as quebras de expectativas que muitos têm: “Há uma diferença enorme entre olhar de turista, páginas de divulgação e a ‘vida real’. Penso que perceber isso me fez não criar tantas expectativas, diminuir o choque cultural e facilitar a aculturação”. As expectativas antes de vir eram baixas, segundo ela, pelas pesquisas, leituras e a consciência das diferenças culturais. Ainda assim, a estudante destaca uma coisa simples, mas das que mais estranhou quando chegou ao Porto: não há muitos restaurantes abertos após as 23h e é raro haver serviços abertos durante 24h.

 

Da frustração…

 

“O erro de muitos estrangeiros ao mudar para outro país é fantasiar demais”, diz Poliane. “Nos primeiros 6 meses eu recebia, quase que diariamente, mensagens de amigos e até desconhecidos querendo mudar para Portugal. Eu sempre deixei bem claro a situação sobre moradia cara, xenofobia, o fato de que, muito provavelmente, a pessoa não vai trabalhar na área de formação, que as oportunidades de crescimento profissional são escassas. Mas que, por outro lado, é um país que dispõe de muitos lugares bonitos e históricos, segurança, transporte público com qualidade, proximidade com outros países, o que facilita conhecer mais culturas, fora que o custo de vida é um dos menores da Europa”. É preciso que cada um coloque na balança o que é importante para si. Características positivas e negativas sempre existirá.

 

A jornalista Rafaella Mendes partilha da ideia de que nem sempre é fácil estar em outro lugar, mas que as lições devem ser aprendidas. “Não foi tudo um mar de rosas. Até porque nenhum começo é fácil e “nascer” em um novo país tem lá seu lado bom.”, destaca, sobre a sua experiência em Portugal. “Acho que quando fazemos a escolha de sair da nossa zona de conforto, precisamos estar dispostos e cientes de que não teremos só dias de glória.”

 

Rafaella conhece o Porto, onde mora atualmente, desde adolescente, o que ajudou na mudança definitiva — em julho de 2016. Em Portugal, diz que aprendeu a calma que não tinha quando morava em Santos (SP). “Me lembro até hoje que, logo após uns meses que estava aqui, sai para resolver umas coisas e me peguei na rua com pressa, mas muita pressa. Então, olhei ao meu redor e vi que tinha pessoas (portugueses), que também tinham horário como eu, mas estavam calmos, andando, sem pressa, sem olhar tanto para o relógio. E isso me fez, na hora, pensar: ‘calma. Para quê tanta pressa? Está correndo porquê?’ Eu aprendi a calmaria deles”.

 

A calma também é uma característica destacada por Poliane. “O que parece é que eles não têm o mesmo senso de pressa que temos”. Entre outras características, as que mais admira nos portugueses são o valor que dão ao convívio em família; o fato serem menos ligados ao consumismo e uma certa liberdade das mulheres em serem mais naturais em relação à aparência estética, que no Brasil é muito comum. Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (ISAPS), no Brasil, em 2017, foram feitos 511 mil procedimentos estéticos na face e 473 mil no peito, garantindo o segundo lugar no ranking de países que fazem mais cirurgias plásticas no mundo — atrás apenas dos Estados Unidos.

… ao amor incondicional.

 

Rafaella não esconde o amor pelo país que escolheu para viver. “Meu coração pulsa muito todas as vezes que tenho a oportunidade de falar de como esse país me acolheu. Brinco às vezes, falando que acho que na outra vida era portuguesa”, ri-se. “Sempre que alguém me pergunta sobre morar fora, trabalhar e estudar, eu digo: “Vai!”. Acho que todos que podem devem se dar essa chance, pois, com ela crescemos muito como pessoas, começamos a olhar a vida e as pessoas ao nosso redor de uma outra maneira”.

 

“Nunca achei que Portugal fosse o melhor lugar do mundo, continuo não achando”, diz Poliane, na mesma linha de raciocínio, “Mas com certeza é o lugar que eu escolhi no mundo e cá pretendo continuar”.

 

A segurança e o carinho dos portugueses que encontraram são motivos explicados pelos entrevistados para estar em Portugal por mais tempo. “Em primeiro lugar, a sensação de segurança. Não tenho medo de andar tarde nas ruas do Porto. Em segundo lugar, considero os transportes daqui muito eficientes. Claro, conta muito o fato de ser uma cidade pequena e com poucos habitantes, se comparado à São Paulo, de onde vim”, afirma Flávio.

 

Isadora Wayand, da área de Marketing, lembra de quando passaria um Natal em Portugal, sem família. “Vários colegas da minha faculdade me chamaram para passar com eles, fiquei muito feliz e emocionada com isso, pois já estava difícil estar longe da família, ainda mais passar o Natal sozinha e em casa”. Ela passou na casa de uma amiga. “Me senti bem acolhida e bem recebida, foi uma experiência incrível e surpreendente”. Outra experiência que a marcou foi a senhora da casa que ela alugava ter ido a buscar no aeroporto quando chegou a Portugal. “Sem nunca ter me conhecido! Foi muito prestativo da parte dela, sem ter nenhuma obrigação”.

 

A experiência de Rafaella mostra um pouco da atenção portuguesa. No primeiro mês, ela havia combinado com um senhorio de visitar o apartamento para alugar. Mesmo com endereço na mão e Google Maps no telemóvel, não conseguia chegar na rua de jeito nenhum. “Então, entrei em uma frutaria e perguntei para um senhor. Ele imediatamente disse que não sabia, mas que ia arrumar alguém para me ajudar. E lembro que ele saiu na rua, entrando na loja dos seus conhecidos, perguntando onde era a rua que eu procurava. Até que conseguiu. E essa atitude para mim foi linda!”.

 

“Notei que os portugueses são muito reservados, eles só se abrem depois de uma certa amizade. Também gostam muito de saber muito sobre o outro, para só depois confiar na pessoa”, lembra Isadora. “Depois que se tem uma certa amizade com algum português e eles passam a confiar em você, pode contar com eles que são amigos verdadeiros e leais, amigos de vida”.

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