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Desacordo assumido

(Imagem: Joana Filipa Freitas, Conexão Lusófona)

O ministro da Cultura do Brasil, João Luiz Ferreira, admitiu durante a apresentação do Festival Internacional de Literatura (Fólio), que “talvez tenham errado no Acordo Ortográfico (AO)”. Na sua intervenção sublinhou que o AO “poderia ter sido feito com maior harmonização” entre as especificidades dos vários países que subscreveram o documento, tendo em consideração que a língua portuguesa ocupa “um espaço geográfico muito grande e em contextos culturais distintos”.

Na opinião de Nuno Pacheco, jornalista do jornal O Público, este acordo não promove qualquer unificação, mas sim, a substituição entre uma “desigualdade antiga por uma moderna”. Por exemplo: as palavras ‘recepção’ e ‘conceptual’, no Brasil, mantiveram o ‘p’, mas em Portugal passou a escrever-se ‘receção’ e ‘concetual’. “Basta ler um pouco, comparar textos brasileiros com portugueses e percebe-se que, de facto, há uma diferença ainda muito grande”, alerta o jornalista. Além das distinções meramente vocabulares, existem outros exemplos como ‘bilheteria’ e ‘loteria’, usadas no Brasil, e ‘bilheteira’ e ‘lotaria’, usadas em Portugal, as quais se mantiveram nos dois países. “Já para não falar nos ‘Antônios’ e ‘Antónios’”, ironiza Nuno Pacheco.

Estruturas vestigiais desaparecem

Por outro lado, as regras das consoantes mudas, dos acentos e dos hífens são “mal fundamentadas e instalam uma confusão inacreditável”, considera o jornalista. Na sua opinião, as consoantes mudas ‘c’ e ‘t’, comportam-se como uma espécie de díctico grafémico, tal como o ‘ɶ’ do francês, e as quais não devem ser descoladas por dependerem uma da outra.  Além de que “por exemplo, na palavra ‘ato’, o ‘c’, permitia mais claramente distinguir à primeira vista um ‘acto’, de fazer uma coisa e não de ‘atar’ um sapato”, explica o jornalista.

Está a criar-se uma situação de ambiguidade cada vez maior, uma vez que, há palavras que não se percebem a que família pertencem porque desapareceram consoantes”, diz Nuno Pacheco. Das palavras-mãe, derivavam uma série de outras palavras que, com este acordo, tornam-se mais difíceis de distinguir. Sabia-se, pela presença do ‘c’, que a palavra ‘sector’ era da família de ‘secção’, mas agora, “saber que ‘setor’ pertence à família de ‘secção’, não é imediato”. O jornalista, teme pela educação nas escolas, acrescentando que “apesar de tudo,  a ramificação de famílias de palavras era útil para a aprendizagem, deixando de o ser, ao separarem o ‘c’ do ‘t’”.

João Luiz Ferreira, ministro da cultura do Brasil, defende agora que o AO deve poder ser revisto, “substituindo algum aspecto que tenha sido detectado e utilizado de forma inadequada”. Por seu lado, Nuno Pacheco, considera que “as diferenças são enriquecedoras” e que “a variedade deve ser incorporada como parte da herança”. Para o jornalista, seria “muito mais simpático que no corrector do word existissem as opções: português-portugal, português-brasil, português-cabo verde, português-angola e português-moçambique”.

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