A dialética da lusofonia
(Imagem: reprodução de quadro de Francisco Vidal)
O que é a “Lusofonia”?
Para todos os efeitos enquanto realidade objetiva, ainda está muito longe de emancipar-se em virtude do seu verdadeiro potencial para a realidade. Precisamente porque ela é mal entendida e pouco tratada pela maioria de forma séria por isso deve assumir-se uma postura distante e desprovida de critérios ideo-historicistas, dos quais se herdam de um passado que para uns e outros, de um modo geral não foi positivo para os dias de hoje devido aos motivos subjacentes que levaram ao seu aparecimento. Este peso histórico carrega ideias ou elementos ideológicos que constituem uma tensão profunda na relação entre iguais que integram este Espaço Simbólico onde se processa um sincretismo cultural bastante intenso como um Crono-Sistema que afeta as vidas de todos os integrantes de uma maneira ou outra, de acordo com a perspetiva Bio-Ecológica do Desenvolvimento.
Na tentativa de tratar esta questão que é bastante complexa, delicada e acarinhada por muitos ou diria por todos e também bastante viva na consciência de todos, de variadas formas como herdeiros de um passado em comum. Independentemente dos motivos históricos, tento trazer à tona algumas ideias que podem servir para refletir sobre a “Lusofonia”, uma vez que o mundo se serve de ideias, então que tiremos proveito delas para construir “utopias” onde cabem ideias positivas que trazem benefícios reais para a realidade de cada país que a integra. E fazendo apologia a “Eureka” enquanto tradição etimológica associada à “descoberta”, atribuída ao Arquimides que saiu nu para as ruas de Siracusa, pronunciando esta palavra ao descobrir o – Princípio de Arquimedes – que creio todos conhecerem tal tradição. Despertou-se-lhe uma “ideia” com base em dados concretos de uma situação quotidiana e com isso quero reforçar a ideia de que com base em problemas concretos são necessárias “ideias” para soluções concretas como o fim de uma busca que desafia e quebra a lógica do Estatus Quo da Lusofonia enquanto Espaço Simbólico que afeta as nossas vidas de modo direto e indireto por mais negação que se queira fazer, negação esta que recorre a formas diversas de defesa ou ataque à sua existência real, escondendo-se muitas vezes por detrás de ideologias de toda ordem para legitimar a negação ou o ataque de cada um. É necessário partir em busca de “descobertas” para o caminho da Lusofonia pelo simples facto de que o seu Estado Atual nunca parece sair do mesmo sítio e caminha a passos demorados, onde a vontade geral é quase inexistente e como Ente Simbólico, está longe de ter relação real e próxima com o imaginário popular de maior parte dos países que a integram. Dito isto é necessário e obrigatório que se trate desta questão sem preconceitos, hipocrisias, complexos e sem politiquices de modo a tentar explorar seus limites com sentido de realidade e sem ilusões.
De uma forma concreta, levanta problemas sérios de ordem semântica, uma vez que etimologicamente seu prefixo está associado àquilo que se entende como a origem do país que desencadeou toda a epopeia histórica do qual teve como resultado este Espaço Simbólico ao qual se designa por “Lusofonia”, etimologia aceite por uns e contestada por outros por motivos vários e uns já foram apresentados.
Para além do problema semântico também levanta outros problemas que são imensos e penso eu que cabe a todos os interessados tentar resolvê-los da melhor forma possível com boa fé, bom senso, sentido de justiça, com distância política e ideológica, e principalmente com forte sentido de missão. Partindo do princípio de que todos somos a ponte para as gerações futuras.
A Lusofonia como – Unidade de Contrários – esta visão à luz da “dialética” ou se quisermos um caminho entre ideias que se formula em “Dialética da Lusofonia”. É a proposta que trago para tentar entender e explorar o mais longe possível os limites de entendimento sobre a Lusofonia, fazendo um apanhado geral dos discursos oficiais e não-oficiais que constituem o espectro da «realidade da Lusofonia» com base em experiência própria e em outros trabalhos de pesquisa a respeito da questão, que são importantes para relembrar àqueles que já conhecem esta realidade e quiçá dar a conhecer a quem ainda não a conhece verdadeiramente, de modo a alargar os horizontes sobre o que se entende por “Lusofonia” na realidade e de que forma poderemos arranjar estratégias que a emancipe, promovendo de forma séria e dedicada “ideias” e debates para trazê-la da caverna para a luz do dia como realidade potencial de cada país enquanto Comunidade supra-nacional e além fronteiras.
Como Espaço Simbólico de Unidade tem seus fragmentos contrários porque ela é dinâmica e contém Culturas, Sub-Culturas, Tradições, Costumes, Dialetos, Línguas e Sub-Línguas provenientes de diversas tradições genealógicas. Tem manisfestações em variadíssimas organizações, instituições, discursos, ideologias, utopias, expressões artísticas e numa série de grupos associativos. A verdade é que ela inspira a vontade de todos se unirem para um fim comum. Porém esta convivência comum esconde muita hipocrisia, preconceitos, complexos de foro psicológico, muita desconfiança, desprezo, desconforto, dificuldades de aceitação e de integração e outros foros problemáticos de quem fora dominador ou dominado no passado. O “colonialismo”, este apetrechado discurso neo-liberal é critério para esconder frustrações, a má fé, a falta de vontade, o desinteresse, a falta de fé e a incapacidade de compromisso sério e dedicado com os valores humanísticos de uns e outros justificados com mil e um argumentos para fugir e desviar-se da tensão que se gera na convivência do suposto Espaço Simbólico que promoveria a “irmandade” e a “igualdade de Direitos e Oportunidades”.
A verdade é que em termos legais o “colonialismo”, este “monstro” de construção ideológica neo-liberal já não tem legitimidade nem existência na realidade objetiva, apenas seus resíduos ideológicos persistem em outras formas e que ainda constituem fortes fundamentos como Discurso oficial do imaginário popular e de outras instâncias importantes de produção Cultural. Por sua vez estes resíduos estruturam fortemente a “consciência coletiva” de povos tanto dos países dominadores e dominados de outrora e a criatividade aplica-lhe nomes de ordem diversa, por aí em diante este ciclo dificilmente se quebrará, sendo que a Multiculturailidade é a realidade objetiva, concreta e absoluta. O problema consiste na pretensão Unicultural de certos grupos de interesse que ainda conseguem estar à frente deste “jogo lógico” de Poder. Neste caso, é imperativo que se celebre a – morte do colonialismo – em todas as classes e setores cuja a responsabilidade é acrescida quando se elabora a produção de conhecimentos, informação e discursos que em última instância surtem um efeito direto e fortemente vital no imaginário popular. É um surto de medos e fobias tanto de um lado como de outro que continua a alimentar estes resíduos ideológicos em seus discursos, o que poderá revelar as ideias fundamentais que estruturam a sua forma de pensar que todavia não correspondem mais a configuração da realidade atual. O “Imperialismo” é uma vontade antropológica que por natureza sempre existiu e existirá – a História da Humanidade desde a Pré-História aos dias de hoje demonstra que esta vontade continua a persistir com força. Mas o “colonialismo”, este deu sinais concretos de «morte» depois da Segunda Guerra Mundial até aos meados dos anos 70 do séc. XX. A sua “morte” se celebrou com princípios positivistas e humanísticos consagrados oficialmente em instrumentos legais que criminalizam a sua prática, celebrados e consagrados nas mais altas representações da organização da “família humana”. Não são meras vontades nem desejos ou sonhos de alguns, é uma realidade instituída que condena e criminaliza qualquer ação que contenha a intenção de a pôr em prática. De ideias elaboradas de alguns passaram à realidade prática que serve e protege as necessidades mais básicas da – dignidade humana – e a nenhum homem lhe é por Direito ou por qualquer que seja, violar ou colocar-se acima destes princípios fundamentais. É a realidade concreta, contudo seus resíduos ideológicos persistem com muita força enquanto não houver vontade séria em quebrar este “jogo lógico” de poder que é aproveitado pela má fé de muitos para perpetuar seu legado de variadas formas, tanto de quem fora “subjugado” ou “subjugador”. O que se perpetua são os «Discursos Ideológicos» da sua herança residual que por sua vez se estabelecem no universo do imaginário popular, em algumas classes de poder e em alguns setores da mesma instânica, no qual estes resíduos ideológicos ganham força e vida porque filtram um conjunto complexo de articulações de necessidades de poder. Concretamente já não tem realidade legítima nem natureza legal, então é imperativo que se celebre a – morte do colonialismo – para que novos caminhos e novas consciências se brocham como a uma flor que quando-se-lhe rega com águas que abafam seu crescimento então a solução é arranjar-lhe novas formas que lhe permitam crescer e florescer.
A Lusofonia necessita de novas consciências que partem em “descoberta” de novos caminhos que lhe fazem jus ao seu verdadeiro potencial que servirá a todos quer em blocos, instituições, associações ou organizações. A Lusofonia não é um instrumento de poder e muito menos serve as necessidades de uns e outros que lhe poderão dar uso de acordo com este fim – ela tem existência em si mesma e é um fim em si mesma e não um meio. É o resultado de uma longa caminhada histórica que a todos pertencem como herança e como fim em si mesma não é um elemento de negação de uns em detrimento de outros e nunca poderá servir para fins ideológicos individuais. O que existem são caminhos como meios para a atingir como fim em si mesma cujo fim é a consciência real do seu princípio unificador que articula o reconhecimento entre iguais na sua diversidade.
Depois desta introdução sobre o fim em si da Lusofonia partindo de ideias como busca para o seu fim, também é importante saber a Dialética que se estabelece entre a realidade dinâmica da Lusofonia e perceber de que modo ela é entendida e vivida na sua articulação real entre diferentes povos, regiões, culturas, consciências, origens e tradições que se conectam através deste Ente de Unidade Simbólica – Lusofonia – e como interagem entre eles e o que entendem e não entendem na prática o seu fim em si mesma para além da Língua Portuguesa por intermédio das suas experiências, necessidades e como a vivem no dia a dia, desde as diferentes camadas da Sociedade Civil até às altas instâncias de poder de cada membro integrante e as suas políticas tanto nacionais como internacionais.
Ao Brasil interessa-lhe a BRIC e a Merco-Sul, a Portugal – a União Europeia, aos PALOP – a União Africana e outras organizações geo-políticas e económicas africanas, a Timor-Leste – a ASEAN. E a CPLP como Instituição Política que representa um dos princípios unificadores da Lusofonia está longe de estar nas principais agendas políticas de cada Estado membro, em parte as desigualdades económicas e os desiquilíbrios de desenvolvimento em diferentes setores não favorecem de todo uma política de congruência e de união em todos os setores. As carências economico-financeiras de maior parte dos países membros abrem espaço para o desinteresse em dinamizar maiores trocas comerciais ou outros fins da mesma natureza.
Em outras esferas nomeadamente no imaginário popular também existem incongruências e diferentes níveis de interesse e de entendimento sobre a sua existência e o seu fim em si mesma. No imaginário popular brasileiro, a Lusofonia de grosso modo é uma relação distante quase inexistente, é uma espécie de Museu Cultural que enfeita a sua História de Identidade Nacional, no qual entendem Portugal e os PALOP como Lusofonia em termos de relação de proximidade, excluindo outros países e outras realidades do seu espectro na plenitude da mesma. No imaginário popular português, para alguns é um fardo da herança histórica porque lhes obriga a conviver com realidades que desprezam e para outros, é o exotismo da herança historico-cultural e ainda para muitos da camada jovem da população portuguesa, a Lusofonia em termos de proximidade de um modo geral é a África ou seja, os PALOP, uma relação tensa, estranha quase de amor e ódio, de distância e proximidade entre a “africanidade lusófona” e a sociedade portguesa – constitui de certo modo a “glória” do passado histórico português que alimenta a “superioridade moral” para com as «ex-colónias» do ultramar de outrora. Entre os PALOP, a Lusofonia de uma forma generalizada, é uma perpetuação do “Colonialismo” disfarçado de associativismo – Portugal e Brasil constituem uma relação de proximidade no modelo geral de convivência historico-cultural. Em Timor-Leste, a Lusofonia constitui um elemento diferenciador de Identidade Nacional mediante os indonésios – PALOP, Brasil, Goa, Dio e Damão, Macau e Portugal integram o espectro do seu imaginário popular, estabelecendo uma relação de “exotismo” historico-cultural.
Sirvo-me das generalizações e não das excepções como ponto de entendimento das diferentes camadas do imaginário popular de cada país membro, formando desta forma um espectro generalizado do que a Lusofonia pode ser encarada e apropriada de acordo com as necessidades de cada país e do conhecimento que seu povo tem para com o “espaço” em si. É importante recordar que são as ideias gerais que estruturam as consciências coletivas que afetam a interação e articulação dos vários países integrantes na Unidade de Contrários da Lusofonia, não são ataques nem condenações ou comparações, antes são constatações feitas a partir das generalizações de ideias fundamentais que constituem a consciência do imaginário popular e na forma como se articulam entre as diferentes realidades o – a distância abre um buraco enorme na relação de proximidade entre as diferentes culturas que continuam a desconhecer-se umas às outras para uma relação próxima da autenticidade da Lusofonia como fim em si mesma. O objetivo é estabelecer pontes de diálogo para minimzar as diferenças estruturais que levantam problemas concretos de interação sócio-cultural e quebrar a lógica ideo-historicista na qual o “colonialismo” continua a ser um critério fortemente insubstituível no debate público e levanta obstáculos concretos para a validade e aceitação da Lusofonia como fim em si mesma de um princípio unificador de diversidade. Este exercício dialético demonstra os diferentes modelos de entendimento e uma distância enorme relativamente ao seu fim em si mesma para a generalidade da sua população. Então qual o modelo válido e legítimo? Será aquele que atende seu fim em si mesma? E que fim? O princípio unificador de diversidade? Haverá outros modelos para além dos mais generalizados e comuns que habitualmente se apresentam?
Nos espaços universitários, entre os académicos tentam entender-se a Lusofonia em tom de Epistemologia através do “método científico”, daí nascem as estatistícas e outras formas quantitativas de conhecimento sobre ela. Entre artistas e escritores, a imaginação dá asas a um entendimento mais poético e abstrato em letras e formas – entre os músicos a experimentação de novas sonoridades. As instituições e as organizações tentam complementar as lacunas que faltam entre umas e outras e no imaginário popular o modelo de entendimento sobre a Lusofonia faz-se de diferentes formas de acordo com as necessidades pessoais de cada um. Tudo isso constituem factos que comprovam a sua existência na realidade, traduzida em discursos de diferentes modos tanto a favor como contra ou até de indiferença, contudo esta Unidade de Multiplicidade em forma de Multiculturalidade onde diferentes origens de várias tradições, que apesar das tensões profundas, vão convivendo sob a égide deste Ente Abstrato configurado em Espaço Simbólico ao qual se dá o nome de “Lusofonia” – mesmo que existam vários modelos de entendimento e que muitos são distantes em relação ao seu fim em si mesma .
De que forma a Lusofonia é entendida na realidade? O que significa ser “lusófono”? Haveria outra proposta etimológica para além da atualmente conhecida que levanta problemas semânticos de toda ordem? A lusofonia é um estado de espírito? Uma forma de estar? Um modo de sentir? O que é a “Consciência Lusófona”? Essas e outras questões se colocam de acordo com as necessidades a atender à luz da razão e do espírito criativo e ao gosto de cada um em busca da “Lusofonia” como fim em si mesma.
Como podemos verificar a Lusofonia como Espaço Simbólico é uma Unidade de Contrários, uma leitura que pode não ser uma novidade no seu todo mas tem o intuito de promover as “ideias” como forma de arranjar estratégias para estimular a sua emancipação enquanto projeto de “Consciência Coletiva” que visa buscar um fim último comum que gera benefícios reais e para tal são necessárias soluções concretas e criativas para problemas complexos de toda a ordem que ela apresenta. A CPLP é uma das suas manifestações, uma Instituição política que integra setores variados no seu programa geral, assim como outras organizações da mesma natureza, diferentes em conteúdos mas comuns no fim último. Muito se poderia dizer e explorar mas esta reflexão pode constituir o ponto de partida para muitos debates e espero humildemente despertar o interesse para tal objetivo comum. Dos cantos mais remotos da Amazónia passando por casas de fado às savanas e rios dos falantes portugueses de África, a cada indivíduo das Comunidades Cabo-Verdianas, Portuguesas, Angolanas, Macaenses, Timorenses, Brasileiras e afins na diáspora, às florestas recônditas de Goa, aos arranha-céus de Macau, às ruas da Vila de Tugu, às praias de Timor – a Lusofonia tem existência em si mesma como um fim em si mesma para além da Língua Portuguesa mas sobretudo enquanto “Consciência Lusófona” – a diversidade que converge, não herdeira do “colonialismo” mas como consequência do passado, do Tempo, da História e talvez do “destino” que ninguém pode mudar mas todos podem começar de novo em busca de novas “descobertas” para fazer um novo fim do fim em si mesma.
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