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Olá Fome, eu sou a Obesidade

Leya

 

Pense em fome – populações doentes sem acesso a alimentos suficientes, fustigadas por fatores ambientais, económicos ou sociais. Agora pense em obesidade – abundância de comida, desequilíbrios na forma de comer e sociedades sedentárias. Podíamos à partida pensar que a coexistência destas duas situações seria impossível, mas a verdade é que se está a tornar uma realidade crescente. E bem próximo de nós!

 

Países como Brasil, e mais recentemente Angola e Moçambique, começam a ter de lidar com este duplo problema. À medida que os indicadores de qualidade de vida aumentam para um número significativo de pessoas, como prevenir que se repitam os passos errados dados pelos países ditos desenvolvidos e que conduziram a uma epidemia de excesso de peso e obesidade? E, ao mesmo tempo, como se consegue que mais pessoas possam ter acesso a uma alimentação suficiente e de qualidade para não sofrerem de desnutrição?

 

O desafio é enorme e as respostas são urgentes – a FAO e a OCDE estimam no seu mais recente relatório que a era dos preços altos nos alimentos provavelmente tenha acabado. Isto significa que por um lado é necessário resgatar todos aqueles que ainda lutam contra a subnutrição e, por outro, é preciso travar a derrapagem para hábitos que invariavelmente conduzirão ao crescimento da obesidade. Os próximos dez anos serão decisivos e por isso convém refletir nalguns aspetos-chave.

 

Desde logo, entender que o sucesso em ambas as lutas (contra fome e obesidade) depende fortemente de “ambientes saudáveis”. Isto significa acesso a alimentos de qualidade, em variedade e quantidades adequadas aos vários grupos populacionais. Neste aspeto, é muito mais o que une fome e obesidade que aquilo que as separa. Incentivar o consumo de alimentos locais e respeitando a sua sazonalidade é uma arma poderosa na construção de um padrão alimentar saudável, que serve para nos manter bem nutridos, sem excessos nem carências. Com tudo o que sabemos hoje sobre necessidades nutricionais e perfil nutricional dos diferentes alimentos, é fácil construir ferramentas que orientem as populações para escolhas alimentares mais adequadas. E se a isto juntarmos armas eficazes como o marketing alimentar para tornar apelativas as opções saudáveis, é expectável que nunca se atinjam graus de desequilíbrio como os que hoje tentamos corrigir nos países mais desenvolvidos.

 

Mas promover “ambientes saudáveis” significa também a inclusão da atividade física enquanto parte do nosso estilo de vida. Em muitos destes países assistimos a um acesso crescente a tecnologias que reduzem o nosso dispêndio energético – onde antes se andava a pé, agora as pessoas têm dinheiro para andar de carro. Onde havia escadas, há agora elevadores ou escadas rolantes. As tarefas agrícolas e os trabalhos físicos são facilitados por máquinas ou substituídos por empregos na área dos serviços. E o tempo de lazer passado a brincar na rua transforma-se em horas sentadas frente a ecrãs…. É preciso conciliar estas novas tecnologias e seus benefícios com programas que nos mantenham a mexer e em contacto com a natureza! Por toda a Europa e América do Norte são inúmeras as iniciativas com vista à inclusão da atividade física (não necessariamente exercício!) nas nossas rotinas – aprendamos com elas e comecemos a aplica-las desde já nos países que começam pela primeira vez a lidar com a obesidade.

 

E, por fim, os “ambientes saudáveis” dependem ainda de haver condições para todos os aspetos emocionais, sociais e culturais que envolvem o ato de comer. Porque comer não é apenas uma questão de nutrientes ou calorias, é também necessário contemplar a socialização inerente. Proteger as tradições gastronómicas de cada cultura e o tempo para comer são obrigações de quem já assistiu aos erros cometidos no passado. Não podemos voltar a “evoluir” no sentido de ter populações a comer “qualquer coisa rápida” numa pausa de trabalho ou ao fim do dia em frente à televisão… Da mesma forma que são hoje inquestionáveis os benefícios do aleitamento materno, também os laços emocionais criados à mesa, em família ou com amigos, são essenciais para nos mantermos saudáveis.

 

Aprendamos, pois, com os erros dos outros no passado e sejamos capazes de assumir estes compromissos para o futuro. Para que este encontro entre fome e obesidade seja tão curto quanto possível!

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