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“Ponto do marido”: a técnica médica que altera a vagina sem consentimento da mulher

A episiotomia é o procedimento médico que nomeia o corte feito no períneo – o músculo que se localiza entre a vagina e o ânus e cuja principal finalidade é ampliar o canal do parto. A utilidade dessa incisão não é o foco deste artigo – é “apenas” o seu ponto de partida -, uma vez que o corte pode ajudar a evitar lesões no feto e no períneo, possibilitando à equipe médica um maior controle dos “danos” no pós-parto. Contudo, e é importante assinalar, este não deve ser um procedimento de rotina. Deve ser uma prática aplicada em casos especiais, onde é a opção mais benéfica para a mulher.

 

Nos casos em que a episiotomia é aplicada, surge, depois, a necessidade de suturar a incisão. É aí que está o foco do problema. Durante essa finalização cirúrgica, existe uma prática completamente desnecessária e que levanta muitas questões sobre o livre arbítrio da mulher. Sem o seu consentimento, a mulher leva um ponto a mais na zona do períneo – mais propriamente, à entrada da vagina – para que sua largura volte a ser a de alguém que nunca passou por um parto natural ou foi penetrada sexualmente.

 

A prática, que é completamente inútil do ponto de vista médico e cirúrgico, é feita por profissionais de saúde qualificados (não apenas homens) – ginecologistas ou obstetras -, que assim garantem que a vagina fica mais apertada e, portanto, que o “papai” terá mais prazer sexual quando voltar a penetrar a sua companheira, que nessa altura será, também, a mãe do seu bebê.

 

Nos Estados Unidos da América, esta prática é apelidada de husband stitch (ponto do marido) ou daddy’s stitch (ponto do papai). Infelizmente, essas designações são, nesse caso, sinônimos de “ponto extra” – tendo em conta a sua total inutilidade. Não só é um ponto abusivo, de acordo com aquilo que são os direitos fundamentais da Mulher, como é também um ponto violento, porque traz consigo consequências dolorosas, físicas e psicológicas. Depois de concretizada, esta atuação origina uma falta de elasticidade vaginal, que perturba a vida sexual da vítima – a penetração causa fortes dores e a parte final do clitóris fica aprisionada -, bem como dor vulvar recorrente e incontinência urinária ou fecal. Simultaneamente, o foro psicológico da mulher também é afetado, uma vez que esta é sujeita a um procedimento cirúrgico que não pediu ou autorizou e que a faz sentir como um objeto destinado ao prazer alheio, categorizada como tal por uma terceira pessoa que nada tem que ver com a sua vida sexual.  A tudo isto junta-se a ansiedade e eventuais problemas posteriores entre o casal.

 

Simulador de reparação da área perineal (Imagem: Reprodução Medical Expo)

Mesmo não sendo uma prática rotineira – fato que, felizmente, limita o número de mães afetadas por esta realidade -, o ponto extra que resulta da episiotomia representa um abuso de poder por parte do/a médico/a que o aplica. Além disso, não há qualquer justificação plausível para que os/as especialistas tomem este tipo de decisão – não apenas pela falta de consentimento da mulher envolvida, mas também por ser evidente, aos olhos de alguém que pratica medicina ou enfermagem, quando um ponto está a mais numa sutura. Em declarações ao El País, Anabel Carabantes, parteira particular, explicou que “é visivelmente muito claro” para um especialista perceber que a sutura foi exagerada. “Os profissionais conhecem cada parte e sabemos como tudo encaixa, como se fosse um quebra-cabeça, e quando você chega a esse último ponto, que é o que fecha os lábios internos da vulva, dá para saber, até mesmo pela coloração de cada área. Por isso, quando há um ponto onde ele não deve estar, isso é evidente para um especialista, mas não para a própria mulher”, explicou Carabantes.

 

Imagem: Reprodução T. Chick McClure

 

Todo este assunto é, na realidade, o reflexo de um problema maior que está enraizado na sociedade, a nível mais ou menos global. O sexismo, o machismo, o paternalismo e todos os “ismos” associados a este tipo de prática, destacam um importante debate sobre o quão longe pode ir a objetificação feminina, até mesmo dentro de um setor tão relevante e essencial para o bem-estar de qualquer ser humano – a Saúde. Infelizmente, está confirmado que não se pode esperar que os profissionais dessa área sejam imunes ao preconceito e à estereotipia. É caso para perguntar: deve a mulher pagar tão caro pela maternidade?

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