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Um espaço de diversidade

“Se cabe à História fornecer os elementos indispensáveis à compreensão do passado, permitindo não só organizar a memória dos homens e mulheres, mas definir e identificar as sucessivas heranças que se foram sedimentando ao longo dos séculos, é dever de todos nós reflectir sobre as maneiras como fomos aceitando, integrando, recusando, refazendo, em função do nosso quadro social e cultural, aquilo que os Outros nos deixaram, direta ou indirectamente: vestígios materiais, culturais, espirituais, lisíveis na imaterialidade dos nossos quotidianos. A história e a memória revelam-nos as suas marcas contidas, de forma estruturante”, referiu Isabel Castro Henriques, Professora Jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no livro de sua autoria os Africanos em Portugal- História e Memória Séculos XV-XXI e Consultora da UNESCO no Projeto a “ Rota dos Escravos “.

O recurso a esta citação brilhante da Professora Isabel Castro Henriques dessa imperativa necessidade de compreender o presente para estruturar o futuro, constitui o meu ponto de partida para dirigir-vos algumas ideias sobre a Lusofonia hoje. No contexto atual do mundo, falar de Lusofonia hoje, é também falar de diversidade. Diversidade geográfica, diversidade linguística e diversidade cultural. Estes 3 eixos determinam a “ compreensão do passado”, mas constroem a compreensão do futuro.  É a diversidade que reforça o diálogo entre diferentes falas e diferentes línguas. Se “ A literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem” citando Louis Bonald, serão as palavras dos vários espaços linguísticos que construirão num mundo cada vez mais globalizado, a pluralidade de novos e renovados olhares.

Se considerarmos que os 8 Estados que integram a Comunidade dos Países de Língua estão inseridos em diferentes espaços geográficos e que de acordo com a CPLP e relatórios recentes o número de falantes em Língua portuguesa ascende a 250 milhões de pessoas, temos obrigatoriamente que admitir que a única opção atual e futura, é compreender a História e definir que, no quadro de uma Língua comum a 8 Estados e 8 Povos, existem outras diversidades e saberes linguísticos e culturais que é necessário conhecer. Só esse conhecimento permitirá relações de inteligência e igualdade cultural numa base de reciprocidade e respeito mútuo. Falar de Lusofonia hoje e deste conceito, é também como disse Maria Armandina Maia, professora universitária e à época (no ano de 1999) antiga vice-Presidente do Instituto Camões, que “ nenhum circuito exige maior atenção neste momento, do que o traçado que se está a construir, a nível nacional, para o (r) estabelecimento de território plural no espaço lusófono, que seja pertença colectiva dos povos que nele habitam”. Mas destaca ainda Maria Armandina Maia, autora do artigo “ Novos (es) paços em volta das Pontes Lusófonas” ( título de uma publicação bimestral publicada em 1999 pelo Instituto Camões ) que “para que o ponto anterior se cumpra, é imperioso ter em consideração as lições que a História recente ensinou àqueles que pretenderam instalar-se nos domínios da Lusofonia, sendo a ela de todo alheios, pelo menos no que toca ao espaço de afectividade “ e relembrava, citando novamente Maria Armandina Maia que “ desiludam-se portanto os que acreditam num milagre para expandir a Lusofonia: ela exige uma atenção redobrada, constante, cíclica, para que o seu mundo se edifique indelevelmente, criando um verdadeiro imaginário colectivo onde as zonas de identidade sejam claramente estabelecidas, com encontro marcado num átrio comum, uma pátria ou mátria cultural que reescreva a História com uma nova tessitura de tramas coloridas porque, de facto, é chegado o momento de encontrar para ela um lugar. Ser singular e plural, respeitar fronteiras e superá-las, abrir espaços e delimitá-los: eis alguns dos grandes desafios que se põem ao colectivo lusófono”, fim de citação. Efetivamente será a junção de esforços e permanente criatividade que colocará no mapa dos 8 países e do mundo, a imensa riqueza cultural que oferece a fala em Língua Portuguesa e naturalmente o saber ser plural num encontro permanente e diversificado de Culturas. Dizia Isaura Gomes, no Colóquio intitulado “ Interpenetração da Língua e Culturas de/em Língua Portuguesa na CPLP “ e à época (ano 2000) Presidente da Câmara Municipal de São Vicente, que a “ temática da língua portuguesa pertence à oficina da humanidade, na qual a cultura, a formação ética, cidadania e a coesão, são conceitos que convergindo-se podem conferir um efeito englobante e unificador, que por só por si, é merecedor de evidência e de distinção “. E nesse mesmo encontro internacional realizado em São Vicente (Cabo-Verde), Amélia Arlete Mingas, Presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa à época e Professora Universitária, declarava na abertura do simpósio que “ parece-nos inquestionável a verificação histórica de que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa resulta da contribuição de várias realidades sociológicas, linguísticas, políticas e culturais, num esforço de identificação de valores que não ponham em causa a identidade própria de cada um dos Estados integrantes “. E comparativamente a um pensamento que subscrevo e defendo, Amélia Arlete Mingas referia na sua comunicação que “ ninguém duvidará hoje, que a livre circulação das ideias e dos bens culturais não pode ser travada por fronteiras ou muralhas que pretendam isolar as pessoas e os regimes políticos e sociais, do confronto com outras realidades exteriores. Ela é, e será sempre, mais forte do que as imposições autoritárias de valores ou a exclusão impiedosa do exercício do exercício das liberdades e dos direitos da cidadania. A partilha de valores culturais não deverá ser encarada como limitadora das identidades, e a integração num sistema de valores universais partilhados não poderá ser tida como sinal de perda de independência ou de soberania culturais”.

Estou certo que se a globalização é um dos processos para aprofundar a integração económica, social, cultural e política entre Estados e Povos, a partilha de bens culturais através da língua e de outros suportes comunicacionais como a televisão e internet, pode e deve reduzir um conjunto de assimetrias ainda existentes no domínio da Lusofonia. Em rigor, todas as sociedades do mundo estão em permanente processo de mudança.  Como disse um dia o filósofo austríaco Wittegenstein “ os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo “ e será a partir do mundo identitário e concreto de cada povo e país, que a Lusofonia será fortalecida, ora partilhando saberes e vivências, ora cruzando conhecimentos ancestrais com a modernidade que impera. Mas também será um diálogo intergeracional e intercultural no espaço em que se insere a CPLP que a Lusofonia se afirmará. Como salientou o Professor Doutor Jorge Couto em Abril de 1998 no editorial que assinava na Camões, Revista de Letras e Culturas Lusófonas e cito que “ numa comunidade aberta ao mundo e múltipla nas suas diferenças e no seu legado comum, é urgente favorecer a presença de cada um dos países que a conformam e as suas recíprocas influências, estimulando contactos multiculturais que permitam às respectivas populações uma dinâmica de reconhecimento e da actualidade cultural lusófona”, fim de citação.

Considerando que o sonho de diversos sectores sociais, culturais, económicos e políticos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é a possibilidade da Língua Portuguesa ser instrumento de trabalho em várias organizações internacionais, nomeadamente na ONU, estou certo que quando esse sonho concretizar-se, outro olhar centrar-se-á na imensa diversidade cultural de cada país membro da CPLP e será a Língua Portuguesa o ponto de partida para conhecer e saber o que se pensa em Kimbundu, Umbundu, Kikongo, Tchokwé (línguas nacionais angolanas), Crioulo ( Cabo-Verde ), Mandjanco, Mandinga ( línguas nacionais da Guiné-Bissau ), Lomué, Makondé, Tsonga ( línguas nacionais de Moçambique ),Forro ( de São Tomé e Princípe ) e Tétum ( de Timor-leste ).  São pequenos exemplos das diferentes Línguas entre outras que agora não é necessário enumerar, mas que constituem inegável Património de um caminho a percorrer.

Em conclusão:

A Diversidade Cultural constrói e gera Conhecimento. O Conhecimento gera Desenvolvimento. E o papel estratégico do conceito Lusofonia hoje no mundo global assenta fundamentalmente no respeito das identidades culturais específicas de cada Comunidade em concreto e um Olhar partilhado sobre o mundo.

Define a Enciclopédia Brockhaus que Cultura é o «Processo e resultado de uma formação intelectual do Homem, enquanto ser não determinado pelo instinto, alcança a plena realização da sua humanidade ao debater-se com o mundo, e, em especial, com os conteúdos da cultura.»

 

Referências Bibliográficas:

HENRIQUES, Isabel Castro,  Os Africanos  em Portugal, História e Memória, Séculos XV-XXI.

CPLP, Colóquio Internacional Interpenetração e Culturas de/em Língua Portuguesa na CPLP, São Vicente, Cabo-Verde, 2000.

MAIA, Maria Armandina, Revista de Letras e Culturas Lusófonas, Lisboa, 1999.

COUTO, Jorge, Revista de Letras e Culturas Lusófonas, Lisboa, 1998.

SCHANITZ, Dietrich, Cultura-Tudo que é Preciso Saber, 13ª Edição, Publicações D.Quixote, 2004

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