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A eleição que não deveria ter sido vencida

No dia 2 de dezembro de 2015, um acuado presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deflagrou o processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. Analistas políticos se apressaram em dizer que 2016 será o ano em que se encerrarão, finalmente, as conturbadíssimas eleições presidenciais brasileiras de 2014, quando Dilma Rousseff, do PT, superou o rival Aécio Neves, PSDB, e se reelegeu presidente – ou presidenta, como prefere – com apenas três pontos percentuais de vantagem.

 

Do lado esquerdo esquerdo da imensa fenda ideológica aberta à ocasião, brasileiros gritam que o processo de impeachment é choro de perdedor. Ocorre não por crimes de responsabilidade de Dilma, mas porque Aécio e aliados não aceitaram o resultado das urnas. Também apontam o dedo para o balão de ensaio lançado por Cunha para enfraquecer o processo de cassação que ele mesmo enfrenta por receber dinheiro sujo no Exterior e mentir aos colegas de Parlamento.

 

Eles não estão errados. Esquecem, porém, que o partido de Dilma, o PT, talvez tenha sido indiretamente o maior responsável pelas duas reações: a não-aceitação do resultado e a própria eleição de Eduardo Cunha à presidência da casa legislativa. Isso porque a vitória de Dilma em 2014 foi a maior vitória de Pirro desde a retomada da democracia brasileira, em 1989.

 

Para quem não é familiar com o termo, Pirro foi um rei que, à frente de tropas macedônicas, colecionava vitórias contra o Império Romano por volta do século II antes de Cristo. Seu grande trunfo eram 20 elefantes de guerra, animais que os romanos não sabiam combater. Até que em uma das batalhas, os elefantes foram finalmente debelados com lanças nas pernas e líquidos incandescentes. Assustados, passaram a pisotear igualmente ambas tropas. Mais de 6 mil romanos e 3 mil macedônios morreram, mas, ainda assim, Pirro venceu. Porém, com um exército em fragalhos. Proferiu então a frase que o fez entrar no dicionário como o adjetivo para uma vitória vinda a um preço alto demais para valer a pena:

 

– Mais uma vitória como essa e volto sozinho para casa.

 

Eleições são processos menos espontâneos do que parecem. Com o devido investimento político e financeiro, a vontade do eleitor consegue ser manobrada. E o PT teve nas suas coxias um grande especialista em operacionalizar essa filosofia: o marqueteiro João Santana. O Pirro do Partido dos Trabalhadores já fez coisa bem mais questionável do que reeleger Dilma. Santana elegeu um moribundo desenganado pelo câncer – Hugo Chávez, em 2012 –, bem como seu seguidor Nicolás Maduro, em 2013. É mais fácil obter vitórias de Pirro quando elas se encerram na eleição. Santana é pago para vencer, não para governar.

 

Para vencer a eleição de 2014, o PT articulou uma coligação de nove partidos em torno de Dilma Rousseff. Pouco importava, no momento, que nem mesmo o partido do seu vice-presidente a apoiasse sem ressalvas. O fundamental era garantir que, ao longo da eleição, Dilma contasse com um curta-metragem eleitoral diário na TV. Se mesmo assim o Brasil não foi convencido facilmente de que reeleger Dilma era o melhor negócio, é inegável que esse espaço na TV foi fundamental para amedrontar o país com comerciais sujos contra a candidata Marina Silva, em súbito crescimento após a morte do seu companheiro de chapa, Eduardo Campos, a menos de dois meses das urnas.

 

A coalizão artificial não foi o único pecado de Dilma Rousseff. Há também denúncias de irrigação de dinheiro público para a campanha – sempre é bom lembrar que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, é um presidiário condenado por extorquir empreiteiras contratadas por estatais. Por fim, houve a retenção de preços como o da gasolina e da energia elétrica. Era de se esperar que o eleitor brasileiro se sentisse enganado tão logo a inflação acordasse do recesso eleitoral.

 

Assim que eleita, os nove partidos da base de Dilma se comportaram como os elefantes macedônios. E até hoje estão correndo pelo Congresso. Em fevereiro, o desgoverno da base nada aliada aclamou Eduardo Cunha como presidente da Câmara por nada menos do que 267 votos entre 513 deputados. O candidato governista teve 136. Se a comissão que está sendo montada agora para analisar o processo de impeachment presidencial levar o caso a plenário, é com esses 267 votos de Cunha que Dilma precisa se preocupar. Há um ano, praticamente metade dos deputados brasileiros elegeram um notório gângster para comandá-los. É com esse tipo de eleitor que Dilma está lidando.

 

Tecnicamente, o pedido de impeachment de Dilma não se sustenta. O processo responsabiliza a presidente pelas “pedaladas fiscais”, que nada mais são do que maquiagem nas contas públicas. Há um processo bem mais grave, nos escaninhos do Tribunal Superior Eleitoral, por crime eleitoral. Mas as pedaladas embasam o processo acolhido por Cunha para que Dilma, se cair, caia sozinha, sem a companhia do seu vice-presidente. Michel Temer não coincidentemente é do mesmo partido de Cunha, o PMDB, sobre o qual já dissertei aqui.

 

Entenda como funciona o processo de impeachment no Brasil

 

Mas neste momento em que tudo é palpite, poucos apostam suas fichas em um julgamento técnico. Governo e oposição já contabilizam seus deputadinhos entre os contra e os favoráveis ao impeachment antes mesmo do caso ser analisado.

 

O meu palpite? Passível de mudar de opinião em breve, mas considerando que não há processo de impeachment que caminhe sem amplo clamor popular, minha aposta ainda é de que Dilma resistirá pelo mesmo motivo pelo qual resistiu à eleição de 2014. Por falta de opção melhor.

 

Se afirmei aqui que Dilma não merecia e nem deveria ter vencido a eleição presidencial, faço a ressalva de que o principal oposicionista, Aécio Neves, talvez merecesse ainda menos. Passado um ano das eleições, o PSDB está ainda mais próximo de uma extrema direita raivosa e truculenta, que provoca apenas medo nas camadas mais populares da população. Aquela direita cujas imagens é só escolher a mais simbólica: pode ser um governador mandando a polícia espancar adolescentes, pode ser um maluco vestindo a bandeira nacional dando tiros em mulheres no Dia da Consciência Negra, pode ser um moleque tentando constranger uma deputada por defender direitos humanos. Um bom projeto de governo que é bom, podemos esperar sentados.

 

A outra alternativa, a que encerraria o processo de impedimento de Dilma já em curso, acarretaria com o PMDB na Presidência. Um partido corrupto, enlameado até o pescoço, que já tem a presidência das duas casas legislativas do Brasil. A bagunça no galinheiro de Dilma ainda não chegou ao ponto de acharmos que o melhor negócio é entregar a última chave para as raposas. Ainda.

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